'More than Carbon: Giving Credit to Biodiversity'.
(PT)
Questões como a adicionalidade e formas de garantir a credibilidade e integridade do emergente Mercado Voluntário de Carbono em Portugal foram discutidas por representantes da academia, do processo legislativo, das empresas e da sociedade civil, numa mesa-redonda intitulada “Mais do que Carbono: dar Crédito à Biodiversidade”. A iniciativa, organizada pelo CHANGE – Instituto para as Alterações Globais e Sustentabilidade para assinalar o Dia Mundial do Ambiente, decorreu no passado dia 5 de junho na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade NOVA de Lisboa.
O Mercado Voluntário de Carbono é “um Mercado onde serão transacionados créditos de carbono certificados, créditos de carbono propriamente ditos, e créditos de carbono +, estes para projetos que incorporem benefícios adicionais para a biodiversidade e capital natural”, resumiu Rui Santos, membro do Conselho Diretivo do CHANGE e investigador do CENSE, que moderou a sessão, em introdução ao tema. “Estamos a falar de créditos de carbono e créditos de carbono + biodiversidade. Estamos a falar de bens complexos, com diferentes interações entre eles, e complexidades associadas, por exemplo, à definição da baseline que permite a criação de créditos reais e não créditos fictícios, o tal greenwashing que temos que evitar, através da monitorização de transações e cumprimento das exigências, na separação de reversão de emissões não intencionais, e assim não imputáveis ao promotor do projeto, das reversões atribuíveis à ação dos promotores, etc”, continuou Rui Santos.
Ana Paula Rodrigues, vice-presidente da ADENE - Agência para a Energia sublinhou que “se nós pensarmos que atualmente em média o valor de sequestro anual de carbono é de 6 milhões de toneladas percebe-se que há aqui um grande caminho para percorrer”. “E este instrumento pensou-se muito focado na dimensão de sequestro de carbono, sendo certo que a legislação foi criada para qualquer tipo de projetos, quer projetos de redução de emissões, quer projetos de sequestro de carbono”, explicou. A vice –presidente da ADENE contextualizou o mercado Voluntário de Carbono como “mais um instrumento desta política climática que deu prioridade, de facto, aos projetos de base natural muito em particular aos projetos florestais, mas também agrícolas não descurando outros projetos de redução de emissões e também projetos de carbono azul”, acrescentando que, o "que também motivou a criação de um mercado, que é voluntário mas que é também regulado, foi o facto de termos a noção que em Portugal já existia a transação de créditos de carbono, só que essa transação era feita sem qualquer tipo de regras”.
João Torres, investigador do CoLAB Forestwise, identificou dois problemas na implementação deste instrumento em Portugal: a permanência e as reversões involuntárias. “Nós infelizmente temos uma recorrência de incêndios que, mesmo comparada com o resto dos países do sul da europa, é alarmante e que obviamente vai trazer aqui um fator de risco superior a outros países”. Destacou também a questão da adicionalidade, “logo à partida por causa de questões da regeneração natural, se se intervir, e agora estou a dar um exemplo muito concreto de regeneração natural de pinheiro, ele vai sequestrar menos carbono do que se não se intervir, porque vamos estar a fazer desrramas, claro que estamos a proteger contra incêndios mas se fizermos as contas pura e duras, seguindo equações, não estamos a respeitar o princípio da adicionalidade, isso vai ter que ser abordado”.
José Rafael Marques, investigador do MED e empresário da AgroInside, identificou como uma barreira ao mercado de carbono português o custo de produção de um crédito nacional “seja no sistema agro-florestal, seja no sistema florestal, o custo aqui de produção vai ser sempre muito alto”. Outra barreira que identificou como muito difícil de resolver foi a grande diferença em termos de competitividade dentro do território nacional: “Porque estamos a falar de carbono, ou seja, estamos a pagar um serviço, uma empresa está a pagar um serviço, alguém está a armazenar o CO2 na sua exploração, significa que no Minho ou em Mértola, dois projetos dentro do mesmo país, têm capacidades e competitividades absolutamente diferentes”. Para que isto se resolva, avançou, “o mercado ou paga o produto ou paga o serviço, e normalmente o mercado de carbono gosta de pagar o produto e não gosta de pagar o serviço. Agora, em Mértola, há pinheiros com 30 anos de idade e pouca altura, mas está-se a fazer um serviço ambiental altamente poderoso que é atrasar um bocado o avanço do deserto. Significa que em Mértola tem de se pagar pelo serviço”.
Para Acácio Pires, da Associação ZERO, “os créditos de carbono servem para compensar emissões” e “isso de facto é problemático”. Para o membro da Zero “a ideia dos créditos de carbono é serem algo que se acrescenta àquilo que é a efetiva redução de emissões”. “Uma empresa que tenha maior nível de emissões, a primeira coisa a fazer, é reduzir emissões e não encontrar formas de compensar essas emissões”, acrescentou. No sentido de credibilizar este mercado, Acácio Pires sugeriu a introdução de um seguro obrigatório, o que “significa que os projetos teriam de ser concebidos minimizando ao máximo o risco de reversão, porque seria muito caro um seguro relativamente a projetos pouco credíveis”.
“Antes da compensação do offset é mesmo necessário que as empresas reduzam as suas emissões e que tenham credibilidade no cálculo da sua pegada de carbono, que de facto o offset seja a última opção. O conjunto de legislação que está para sair limita muito aquilo que se pode fazer e há todo um conjunto de aspetos que tem de ser considerados no mercado”, afirmou Ana Paula Rodrigues.
Relativamente à credibilidade do Mercado Voluntário de Carbono em Portugal, Ana Paula Rodrigues, reforçou que “os compradores o que querem é que haja credibilidade porque têm de responder ao “Science Based Targets” ou a legislação complementar do ESG [Factores Ambientais, Sociais e de Governação] que impõe requisitos muito rigorosos aos créditos de carbono que podem ser usados por estas empresas”. Referindo-se à problemática da adicionalidade referiu que para as empresas compradoras a adicionalidade é o requisito principal. “Isto implica que, a adicionalidade genericamente entendida como o projeto, só existe porque o fluxo financeiro associado aos créditos de carbono viabiliza o projeto. Ele também não pode ser necessário, obrigatório do ponto de vista legal e, do ponto de vista climático, ele tem de conduzir à remoção ou ao sequestro de emissões. Isto parece algo banal, mas é determinante para o funcionamento deste mercado”, reforçou. No que diz respeito à integridade do Mercado, a vice-presidente da ADENE, afirmou que é um aspecto “fundamental e o diploma que foi publicado aborda esta questão no fundo dando a integridade ao mercado o mecanismo de garantia, seja através da bolsa de garantia ou de seguro.” “Ainda que essa floresta possa arder, os créditos que já foram vendidos têm de ser automaticamente abatidos da bolsa de garantia ou substituídos por um mecanismo de seguro. E nós todos percebemos que há aqui um trade-off e há um equilíbrio que tem de ser alcançado porque o mercado, ao mesmo tempo que dá estas garantias, também tem de funcionar e que ter alguma liquidez, que se tentou resolver através dos créditos de carbono futuros, que, de facto, introduzem aqui algum risco adicional. Mas é no pressuposto que também as garantias e os mecanismos de gestão de risco dos projetos funcionam”, explicou.
Ana Paula Rodrigues avançou ainda que a ADENE e a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) esperam a curto prazo divulgar um site informativo e disponibilizar um conjunto de documentos com informação de suporte “quer a quem pretende vender Créditos de Carbono promotores de projeto quer a quem comprar”. Avançou também que está a ser trabalhada uma primeira metodologia, “que esperamos que possa servir de exemplo a outras, e é precisamente uma metodologia de florestação que aborda também o tema dos créditos de carbono+”.
A sessão foi seguida da entusiasmada participação da assitência, quer a que se encontrava presencialmente no auditório, quer a que acompanhava o evento através da transmissão online.